A era da República de Weimar (1918–1933) testemunhou o florescimento das artes, a liberalização das atitudes sociais e o surgimento de uma vibrante cultura queer em Berlim e outras cidades alemãs. Mas uma reação conservadora, depressão econômica e a ascensão do regime nazista reverteram esse progresso depois de pouco mais de uma década.
Como grande parte da Europa, a Alemanha foi devastada pela Primeira Guerra Mundial. Faminto por paz e ávido por mudanças, o país derrubou a monarquia do cáiser Guilherme II em novembro de 1918 e instituiu uma democracia parlamentar liderada pelos socialistas. No ano seguinte, o legislativo redigiu uma nova constituição concedendo igualdade de gênero e classe, direitos de privacidade e liberdades individuais, como liberdade de expressão e reunião.
Assim começou uma era de notável fermento artístico e intelectual. Os campos da literatura, drama, música, arquitetura e o novo meio de cinema explodiram. A filosofia e a teoria política também tiveram um renascimento, e a medicina e a ciência floresceram, com novos avanços em campos que abrangiram da psicologia à física.
Gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros estiveram no centro desses acontecimentos. Nessa época, a Alemanha já tinha o movimento pelos direitos gays mais forte do mundo. Em 1897, o Dr. Magnus Hirschfeld e outros fundaram o Comitê Científico Humanitário — o primeiro grupo de direitos homossexuais dedicado à reforma do parágrafo 175, a lei alemã que criminalizou o sexo entre homens. Em 1919, Hirschfeld abriu o Instituto de Ciências Sexuais em Berlim, que abrigava uma biblioteca, um museu e uma clínica. O movimento foi até grande o suficiente para ter cisões internas: a Gemeinschaft der Eigenen de Adolf Brand, fundada em 1903, celebrava a cultura masculina e rejeitava a visão medicalizante da homossexualidade de Hirschfeld.
A vida social gay floresceu durante a década de 1920. Embora houvesse centros de atividade em cidades como Hamburgo, Munique e Colônia, Berlim era sem dúvida o centro da cultura queer. Atraídos pela atmosfera potente e uma moeda fraca que tornava a vida relativamente barata, gays e lésbicas lotaram a capital de toda a Alemanha e de todo o mundo. Segundo uma estimativa, havia 350.000 gays e lésbicas entre os quatro milhões de residentes da cidade.
Surgiu uma cultura de cabaré ativa, completa com locais que atendiam a todas as inclinações sexuais retratadas em Goodbye to Berlin (1939), do autor gay britânico Christopher Isherwood, que inspirou a peça e o filme Cabaret. Berlim ostentava dezenas de boates gays, lésbicas e crossdressers, levando Hirschfeld a notar que “Uranianos [seu termo para homossexuais] foram vistos chegando das profundezas das províncias chorando lágrimas de alegria ao ver este espetáculo”. Muitos desses locais estavam concentrados nos bairros Schöneberg e Nollendorfplatz, que ainda hoje são centros da vida gay. Um deles, o Eldorado Nightclub na Motzstrasse, exibia grandes placas na entrada anunciando “Você encontrou!” e “Está tudo bem aqui!” Além disso, havia vários cafés, casas de banho, clubes fetichistas, livrarias, teatros e hotéis, muitos operados por empresários gays, bem como cerca de 2.000 homens prostitutos.
Mulheres lésbicas e bissexuais eram ativas em organizações homossexuais de gêneros mistos, como a Liga dos Direitos Humanos, bem como no crescente movimento de mulheres, trabalhando pela reforma educacional e pelo direito ao emprego fora de casa. Segundo uma estimativa, havia cerca de 50 espaços e organizações lésbicas em Berlim, incluindo bares assiduamente frequentados por casais butch/femme, clubes de boliche e coletivos vivos. Várias figuras lésbicas conhecidas da literatura chamaram a cidade de seu lar, incluindo a escritora Christa Winsloe (autora do romance que foi a base do filme Mädchen in Uniform) e a jornalista americana Dorothy Thompson.
A nova liberdade de imprensa encorajou o estabelecimento de cerca de 30 publicações políticas e literárias queer, que eram vendidas abertamente nas bancas de jornal e ostentavam uma circulação combinada na casa dos milhões. Entre eles estavam Der Eigene de Adolf Brand, considerada a primeira revista gay de todos os tempos, Die Freundschaft, Die Insel, Frauenliebe e Garçonne.
Mas muitos alemães, perturbados pelas mudanças culturais e dificuldades econômicas da época, ansiavam por um retorno aos valores tradicionais. Os conservadores religiosos condenaram a mudança de papéis de gênero e vícios percebidos como homossexualidade, pornografia e aborto. Os problemas da nação foram atribuídos a comunistas, judeus, feministas e homossexuais.
Adolf Hitler explorou esses medos e preconceitos para consolidar seu poder político, auxiliado pelo sectarismo da esquerda. Ele foi nomeado chanceler em janeiro de 1933, e o incêndio encenado do Reichstag no mês seguinte forneceu um pretexto para suspender as liberdades civis. Em maio, o Instituto de Ciências Sexuais foi saqueado e seus materiais queimados por jovens de direita. Publicações homossexuais foram proibidas e os locais foram fechados; o Eldorado foi convertido em um centro de propaganda nazista.
Em 1935, o parágrafo 175 foi reforçado. Cerca de 5.000 a 15.000 homens homossexuais acusados foram enviados para campos de concentração. Em meio a esse clima de medo e isolamento, um número incontável de homens e mulheres queer se escondeu, entrou em casamentos de fachada, emigraram para países mais seguros ou cometeram suicídio.
Alemanha de Weimar oferece uma das lições mais prescientes da história sobre como a liberalização pode levar a rechaço, e direitos e liberdades aparentemente garantidos podem ser perdidos. Nas palavras do crítico cultural Marcus Bullock, o renascimento cultural de Weimar foi “notável pela maneira como emergiu de uma catástrofe, mais notável pela maneira como desapareceu em uma catástrofe ainda maior”.
LETTERS From CAMP Rehoboth, Vol. 16, №7 June 16, 2006.
Autoria: Liz Highleyman.
Tradução: liège nonvieri.